segunda-feira, janeiro 29, 2007

DESABAFO...

EU ESFAQUEEI O DEPUTADO.

Eu assumo: fui eu quem esfaqueou aquele deputado lá em Salvador. Isso mesmo, fui eu.
E aviso: tô muito put@ e posso esfaquear outros. E tem mais: duvido que me prendam. Sabe por quê? Porque não tenho pulsos para me algemarem. Nem rosto para ser fichado. Não podem me pegar porque não estou em nenhum lugar e estou em todos os lugares ao mesmo tempo.
Eu sou a consciência indignada do cidadão brasileiro. Que não agüenta mais o que a classe política está fazendo com o povo desse país.
Fui eu quem esfaqueou aquele deputado. Mas não se preocupe com ele, o homem tem as costas largas. Preocupe-se com a senhora que o golpeou: ela vai apodrecer na cadeia sem ter culpa. Sim, pois ela foi apenas um instrumento da minha ira sagrada, acumulada durante séculos. Aquela mão, empunhando a peixeira, você não percebeu?
Era a mão do povo brasileiro. Era a mesma mão persistente que todos os dias faz sinal pro ônibus lotado pra ir ao trabalho, a mesma mão cansada que rastreia os classificados atrás de emprego. Era a mesma mão impotente que acaricia o filho faminto, a mesma mão sem futuro que pede uma ajudinha no sinal.
E é a mesma mão que votou nos políticos que aí estão. Votou neles para que a representassem com decência. E olha o que fazem... É muita cara de pau!
Num momento delicado desse, em que toda a sociedade se concentra na tarefa de fazer o país crescer um pouco mais, os deputados federais se concedem um aumento de 91% de salário, como se já não ganhassem muito. E como o salário dos deputados estaduais e dos vereadores é proporcional ao dos federais, todos vão ganhar aumento.
No final, essa brincadeirinha de bandidos de paletó vai custar à sociedade um custo extra anual de mais de um bilhão e meio de reais. Isso sim é uma facada de respeito!
Agora o bando dos federais vai ganhar vinte e quatro mil e quinhentos reais. Mais ajuda de custo para morar, comer, viajar e ir à esquina. Mais verba de gabinete e convocação extraordinária. Mais décimo - terceiro décimo - quarto e décimo - quinto salário.
São cem mil reais por mês para cada um. É uma senhora fatia da pilhagem geral do país. Sem falar que, na prática, essas vidas-boas só trabalham três dias por semana. E têm impunidade parlamentar. E ainda acham pouco.
E não vamos nem falar no mensalão e em tudo que rola nas malas e nas cuecas. São uns cínicos. Fazem pose e falam bonito, mas o que querem mesmo é ficar milionários em dois mandatos e garantir uma aposentadoria rechonchuda.
Em cima dos trouxas de seus eleitores. Eu tô muito, muito put@. Como podem gozar assim da cara do povo? Não temem que as pessoas se revoltem e invadam seus lindos gabinetes, que os seqüestrem, que joguem uma bomba no congresso para acabar com tudo? Não, eles não temem. Porque estão tranqüilos em sua certeza de que o povo brasileiro é burro, medroso e acomodado. É por causa dessa certeza que num minutinho o bando vota em si mesmo um aumento de doze mil reais e depois fica semanas e semanas discutindo se dá ou não dá oito reais, oito reais, de aumento no salário mínimo. É desrespeito demais.
Sabe o que os nobres parlamentares deviam fazer com esses oito reais? Eu digo.
Enrolem as notas bem enroladinhas, formem um canudo e enfiem de volta lá, lá no lugar de onde vem o cheiro que infesta o Congresso Nacional, a casa que deveria ser dos representantes do povo e que está ocupada por vossas excrescências.
E você, caro cidadão eleitor? Onde está seu nobre deputado numa hora dessa? Ligue para ele, para ela, escreva, exija providências. Ou será que sua Indecência votou a favor do aumento? Se votou, então é mais um dos que agora estão rindo da sua cara de otário.
Sim, você é um grande otário. Uma tremenda otária. Porque é você quem vai pagar a conta desse roubo.
Fui eu quem esfaqueou o nobre deputado. Mas o golpe não foi dirigido a ele, não especificamente. O golpe foi contra toda a classe política.
Certamente há um ou outro que não tem o costume de tripudiar em cima de quem o elegeu, mas como todos fazem parte da classe, é sobre todos eles que avança a minha mão firme e indignada, empunhando a lâmina afiada da revolta.
Os políticos foram eleitos para representar e defender o povo, mas o esfaqueiam todos os dias quando legislam apenas em interesse próprio.
Assim sendo, aquela senhora nada mais fez que praticar um ato de legítima defesa. O aumento ainda não foi pago, mas o primeiro deputado já recebeu o troco. Nas costas. Quem será o próximo?

RICARDO KELMER é escritor, letrista e roteirista, mora em São Paulo, Terra, 3a. pedra do Sol.

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